sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ouve aquela canção que não toca no rádio

Passei meses achando o Oblivion de Astor Piazzolla sua obra mais doce, mais visceral, até que sem querer escutei algo que fazia anos  estava esquecido em minhas pastas no computador. A verdade é que o fui escutar pela curiosidade do nome: Bando. E aí redescobri que não posso Achar, pressupor absolutamente nada sobre el hermanito argentino. E esse tango é de fato a prova de que apenas ele consegue ir da tristeza absoluta ao orgasmo mais prazeroso, até voltar à zona de conforto e nos explicar algo sobre preencher os vazios. 

E me pergunto porque, ainda que eu deseje, não me atreva a escrever um tratado que descreva a sensação primeira de um encontro com Piazzolla, a sensação derradeira de um último trago que se extende por longas tardes escutando desde seus tangos mais doces aos que me fazem não querer sair dos cafés argentinos. Porque ele se impregna de alma e corrompe qualquer sentido de lucidez e me alerta sempre: escuta o o Caetano! Então não te lembras que é preciso ter alma de ouvir e coração de escutar? 

Não, não consigo esquecer, eu não quero, não posso. É o que me mantém em riste. Quero por hoje e por ora apenas não esquecer cada acorde latente deste bandoneon, cada punhalada violenta que chora o agudo violino em preces. Estou atento, estou viajando rumo ao céu. Estou excitado e a dor apenas talvez defina nossa vida toda.


sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Devia ter começado falando das flores

Eu bem poderia ter começado este blog falando das referências que me levaram a decidir escrever sobre a música orquestral em meu Estado, a verdade é que eu deveria poder. Meus amigos todos sabem o quanto eu venho reclamando ao longo dos anos que os serviços em Aracaju são precários justamente porque ninguém se propõe a explicitar as deficiências. Exemplo disso é que os garçons todos aqui acham que são nossos amigos, atendentes de farmácia acham que são farmacêuticos e por ai vai. Não é diferente com a cultura.

Imaginei por longos anos o absurdo de não existir nenhum espaço de divulgação desse tipo de arte (que por si só já tem dificuldade em encontrar espaços), de ninguém que se propusesse a discutir e pontuar as nuances detrás desses bastidores orquestrais, e não necessariamente para criticar e só, não é a isso que este blog se propões: como tem muita gente tentando gritar aos quatro cantos. Não vai conseguir. E não por razões homéricas. Não! Qualquer um que se dispa das opiniões tendenciosas e influentes e que se preste ao minimo de respeito a analise textual em si, e busque ir além dos obviosos sinistros, entenderá que este blog se propõe a ir além das intrigas pessoais e politicas de quem pouco acredita no que diz e que acha incapaz o povo sergipano de refletir por si só. Entenderá que melhor que se esconder detrás de confortáveis vitimizações, é comprar o bônus do esclarecimento através do diálogo aberto. Existe espaço no blog para replica e treplica. Usa quem acha necessário, foge dele quem atavia o precipício.  Somos muitos e diversos e fomos bem instruídos, faltava apenas suscitar os debates. A isso sim o violino de gravata se propõe. E falará sobre tudo das flores que insistem em se opor a todo o caos anunciado. É minha obrigação falar de duas pétalas em especifico.

A primeira delas é o blog que tantas vezes li com empolgação de quem espera que as coisas pudessem ser diferentes aqui, de quem esperava afito mais um post para me dizer que existe arte para além da música. As palavras podem ser sons, e ecoam. Faz algum tempo que conheci o Violinos de Salto e descobri para além dos personagens duas grandes amantes da música: Thirza Costa e Noemi Ferreira, com quem muitas vezes dividimos os mesmos espaços sem mesmos coabitarmos de afeto e compreensão. E isso tudo era minimo diante do que eu via se materializar em informações, dicas, festivais, vídeo aulas. Era um norte, era o sul, era um caminho de possibilidades de ir além. Não pude deixar de invejá-las, e não literalmente. Procurei Com ferocidade algum amigo que quisesse junto comigo escrever um blog de mesmo estilo e proposta. Só via duas possibilidades: Társis Santos e Guilherme Moraes, e os duas me disseram não. E não menos por isso deixam de fazer parte do plano inicial de sonho. Tanta inveja se materializou de maneira a reconhecer, elogiar e agradecer a existência do blog. Se hoje existe um violino de gravata correndo solto pelas vielas de Aracaju é porque corre em direção a alcançar dois violinos de salto.

A segunda pétala tem muito da primeira e me alegro em dizê-lo. Nunca um Intermezzo da Cavalleria Rusticana, por menos italiano que me pareça, por menos doce e sofrido como o foi na execução de ontem a noite, me fará crer que nele não haja beleza. E mais ainda quando se contempla a fé no rosto de quem o executa (como o foi ontem com os músicos da ORSSE). Não era um erro de execução, não era desamor. Vi na serenidade e no desejo de quem tocava que existe algo que movimenta a máquina e os impulsiona como engrenagens. Pude escutar pianos súbitos, pude senti-los morrer e respirar em seguida num crescendo fabuloso. Pude enfim sorrir flores e antever música boa, sentir que cada nota conseguia preencher as poltronas vazias do mezanino. De tal forma e surpreendente manejo que quase não me sobra espaço nesse post pra falar sobre a gratidão de estar sentado ao lado de um violino de salto, e de como preciso entender a contra gosto que substituir a Abertura da Ópera Norma foi um prelúdio para que o 3º e 4º movimentos da Sinfonia n. 3 de Beethoven fosse esplendorosos e vivos. Tão musicais como fazia tempos não se ouvia.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Amanhã é dia de concertos comemorativos

O dia de amanhã, quinta-feira (23-08-2012) será particularmente muito interessante. E claro, por um brilhante motivo. Poderemos verificar algo que tenho constatado faz tempo sobre a finalmente merecida diversidade de espaços de um mesmo seguimento na cena cultural sergipana. A noite nos será brindada com dois importantes concertos comemorativos. 

Primeiro a ORSSE (Orquestra sinfônica de Sergipe) que trará a Sergipe a presença do maestro Italiano Francesco La vecchia, condutor titular desde o ano de 2002 da Orquestra Sinfônica Di Roma, para um concerto alusivo ao ano da Itália no Brasil. No repertório, o brilhante Intermezzo da Cavalleria Rusticana, do também Italiano Pietro Mascagni, peça que separa em duas partes a ópera de apenas um ato. E também a parte mais conhecida do grande público (já que faz menção ao cavalheirismo rustico descrito no titulo da obra) e nos assalta em um profundo adagio lirico à italiana. 

Além do trecho italiano o concerto contará ainda com o Idílio de Siegfried, de Richard Wagner: oferecido a sua esposa como presente de aniversário. E a também tão controversa e polemica Sinfonia Nº 3 em Mi bemol de Ludwig Van Beethoven, conhecido pelos grande estudiosos de música como o florescer da música romântica, uma vez que rompe com alguns manejos da tradicional música clássica. Vale a pena ressaltar que a Sinfonia ficou conhecida como a Heroica, inicialmente a peça foi dedicada ao Imperador Francês Napoleão Bonaparte, mas descontente com o déspota, Beethoven retirou a dedicatória ao General francês e deu-lhe nome de Heroica, como parte das recordações à memória de um homem que representasse os ideais primeiros que o inspirou a escrever a sinfonia. O concerto acontecerá no palco do Teatro Tobias Barreto e tem inicio marcado para acontecer às 20: 30hs. 

Já do outro lado da Cidade, no palco do Teatro Atheneu às 19:30hs acontecerá o concerto comemorativo ao dia do Soldado brasileiro, com a execução da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Sergipe (OSUFS) juntamente com a participação importante da banda do 28º Batalhão do exército brasileiro. A noite alusiva será saudada com uma série de obras que remeterá o público aos sons típicos das batalhas e dos confrontos como o Coro dos soldados, do compositor francês Charles Gounoud, que faz parte da ópera Fausto e faz alusão a admiração do autor à intelectualidade germânica fortemente difundida na Europa através obra do escritor Alemão Goeth.

O concerto ainda conta com o Coro dos Ferreiros, da Ópera Il Trovatore, que juntamente com Rigoletto e La Traviata formam a tão célebre trilogia Verdiana. Essas obras foram compostas uma seguida da outra e tem caráter mais popular e de fácil apreensão por parte dos expectadores. Seguidos dentre outros pela Marcha da ópera Aida, ainda do mesmo compositor e encomendada pelo governo egipicio para a inauguração do Canal de Suez. Vale lembrar a vitalidade que se exige dos trompetes e o coro nessa obra que se situa no II ato da ópera que está dividida em quatro partes. 

 À frente da OSUFS desde sua criação como parte de um projeto de extensão da universidade Federal de Sergipe, o maestro gaúcho Ion Bressan regerá ainda obras não menos eruditas mas de caráter mais popular como O bom, O mal e o feio do famoso compositor de cinema Ennio Morricone e a parte da trilha sonora do filme Piratas do Caribe. Junto com a banda do exército, o concerto conta ainda com a participação do Coro Sinfônico da universidade Federal, o CORUFS.

Mais importante que ressaltar a necessidade de comemorar duas importantes datas, e de se fazer musica em escala diversificada, e o fato de que mesmo acontecendo na mesma noite, um concerto anula o outro. Pela flexibilidade de horários será possível beliscar um pouco dos dois programas e se fartar de música numa noite quase unanimemente Italiana. 

Teatro Atheneu: Rua Vila Cristina s/n, 49015000 Aracaju-SE
Teatro Tobias Barreto: Avenida Presidente Tancredo Neves2209 - Grageru Aracaju-SE




quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Tudo sobre minha mãe

Manuela e Esteban

Não queria começar falando explicitamente sobre “tudo sobre  minha mãe”. Talvez nem  devesse fazê-lo, mas não há como. Foi através desse filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar que pude penetrar a fundo o mundo de Alberto Iglesias.
O nome nem é conhecido por aqui na terra da Bossa Nova, talvez nem muito conhecido seja por aí a fora, porém sua obra é de grandiosa validade para o mundo cinematográfico e musical. Alberto Iglesias é responsável pela trilha sonora de alguns famosos filmes espanhóis como “Fale com ela” e “Má educação”, todos de Almodóvar.
Iglesias vem se consolidando como um grande compositor de trilhas sonoras, e não é a custa de pouco esforço, porém, de um notável talento; o compositor espanhol já conta em seu currículo com uma nomeação ao Oscar (prêmio concedido pela Acadêmia de Artes e Ciências Cinematográficas). No ano de 2005, platéias de todo o mundo pararam para escutar a doce trilha sonora do Filme “O jardineiro fiel” do diretor brasileiro Fernando Meirelles que havia sido indicado ao Oscar.
É com a mesma doçura que compôs a trilha do “Jardineiro fiel” que Alberto Iglesias assume no ano de 1999 a direção sonora de “Tudo sobre minha mãe”, e é também com a mesma força que ele repete a fórmula com que se inaugurou no cinema ao fazer a trilha do longa metragem chamado “Vaca”, do diretor espanhol Julio Medem, no qual faz uma descrição do bosque, lugar central a partir do qual nasce e morre a história e seus personagens.
Chamá-lo-ia aqui de Realista, porque é assim que ele se apresenta e faz de sua obra uma marca descritiva e fiel a cada cena e personagens. Em “Tudo sobre minha mãe” não é diferente, e trás outra característica não tão comum ao agrado dos expectadores: toda a trilha sonora instrumental, tendos apenas uma única canção cantada, Tajabone. Iglesias é cabal ao buscar no limiar de cada cena a emoção de cada contexto descrito no filme de maneira a associá-lo ao seu tema, nomeando por vezes as canções de acordo com a cena; isso acontece com a canção “Não gosto que escreva sobre mim”, originária da cena em que Manuela conversa com o filho, Esteban, às vésperas de seu aniversário e em que ela ao saber do filho que ele escreve tudo sobre ela; diz a ele que não gosta de saber que ele escreva sobre sua vida; assim, o faz também quando Manuela decide ir visitar o receptor do coração de seu filho Esteban que morre num acidente de carro no dia de seu aniversário, numa visita literal ao coração e às memórias do filho morto. Tal canção é coroada com o título que mais parece um pedido agoniado sob o embalo forte dos violinos: “Traz o coração de meu filho”.
Essa é, talvez, a característica mais viva de um compositor que sabe dosar a comicidade e a dor. E vai além; faz uso de elementos cotidianos na cultura musical de seu povo e trás para o filme ora a batida forte da música cigana ora a tristeza e sensualidade absoluta do tango.
Alberto Iglesias foi sem dúvida um grande colaborador para que o filme “Tudo sobre minha mãe”, concorrente ao Oscar de melhor filme estrangeiro do ano de 1999, fosse consagrado como o favorito do público e dona da estatueta. Com isso, Alberto se consolida não como um bom compositor de trilha sonora, mas como um músico de alma, que vai além do que diz visualmente uma partitura; ele nos toca, tocando as feridas de cada personagem que se encontra na dor e alegria do expectador.


sábado, 11 de agosto de 2012

A melhor música brasileira de todos os tempos

Há dias vejo nas principais redes sociais algumas pessoas reclamando a configuração de personalidades que entraram na lista dos 100 melhores brasileiros de todos os tempos. De fato é inacreditável pensar que Xuxa, Restart ou Michel Teló possa me representar como brasileiro (já que não fizeram nada coletivamente impactante) nem mesmo sublimar meu ego nacionalista. Muita gente reclamando e por assim dizer nem um terço delas mesmas votando para eleger seu representante.

A competição agora é para escolher a melhor música brasileira de todos os tempos. Espero não ter que ver as pessoas reclamando que "Na boquinha da garrafa", "Tchu Tchá" ou "Eu sou rebelde" estraram na lista sendo que alguma música realmente representativa estivesse lá. 
Imagino que devamos escolher não só aquela música que nos marcou nos melhores ou piores momentos da vida, ou somente pela beleza da letra ou pelo compositor. É preciso votarmo numa música que nos represente como brasileiros lá fora, que ao ser tocada lembre o caráter de ser brasileiro. Nesse sentido vou usar esse espaço para iniciar uma grande campanha a favor da música " Trenzinho do caipira" do compositor brasileiro Heitor Villa Lobos.

Existem vários motivos para encabeçar tal campanha, mas vou além do meu gosto natural por essa composição e descrever os dois pontos principais que me fazem crer que ela devesse estar entre as 100 melhores. Primeiro por que apesar de Erudita, ela, em toda a sua complexa estrutura harmônica e abuso de materiais percussivos não tão comuns numa composição do estilo, consegue ser tão popular e simples em sua essência que qualquer um pode recebê-la sem muito esforço; a música que faz parte da 5 Bacchiana do Villa Lobos representa com muita fidelidade uma locomotiva que sai da estação e percorre o campo através de montanhas e que por fim chega  ao seu destino numa parada fantástica. Segundo e principal motivo é o de homenagear o grande compositor Villa Lobos, reconhecendo a grandeza de sua composição, que ia sempre além da escrita erudita. Através de suas melodias qualquer um, entendedor ou não da música erudita, conseguia se encontrar naquele som. Tinha sobre todas as coisas um intenso trabalho de pesquisa sobre as raízes folclóricas e populares no brasil, além do comprometimento visível com a identidade nacional e o ensino de música no currículo de base da educação. 

Ao compor uma peça, o Villa Lobos não esquecia de que a música era um instrumento para salvar as pessoas da perspectiva rasa da pobreza e do esquecimento. Não escrevi música apenas para uma parcela mínima, ele fazia com que a erudição alcançasse a todos quanto tivessem ouvido. 

Não deixe de votar e escolher Trenzinho do Caipira como a melhor música brasileira de todos os tempos no site do SBT:   www.sbt.com.br



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Onde estará a Pétroucchka?


Perguntei-me a noite toda e revolvi na cama tentando compreender a ausência de Pétrouchka no concerto da série Cajueiros V ontem 09-08-2012 no teatro Tobias Barreto em Aracaju. É bem verdade que segui o coro dos muitos decepcionados pela retirada abrupta dela do programa da noite e acabei preso na poltrona resistindo a receber de bom grado os enxertos que me eram ofertados. E não posso deixar de reparar que esse tipo de inconveniente não acontece pela primeira vez.  
É claro que existem motivos distintos nas duas substituições, e os compreendo com pesar, embora não posso deixar de sentir que o resultado final nas duas vezes foi desastroso. Ainda saboreio o som indigesto do lago do cisnes e aquela dança espanhola primariamente produzida às pressas no lugar do concerto para piano do liszt, assim como não me sai da cabeça os ataques acanhados do I movimento da 5º sinfonia de Beethoven. Peça essa que inclusive teria tudo pra salvar o concerto, já que é um tema conhecido do público, caso não tivesse sido sucedido pelo enfadonho concerto e o sucessivo silêncio incompreensivo da platéia durante o termino dos movimentos do concerto duplo em ré menor de Mendelssohn para violino tão bem executado por Gabriela Quiroz, piano por Sergio Monteiro e orquestra. de Mendelssohn. 

É bom que fique claro que o silêncio não representava uma educação estética concertística, não! Ainda não nos elevamos nesse patamar aqui em Sergipe: Vide o concerto regido pelo Piotr Borkowski, regente convidado, em que o Nosso msestro Guilherme Mannis gentilmente conduziu algumas pessoas que faziam barulho em excesso a se retirar da sala.  Isso tudo para enfatizar que o grande problema de ontem a noite é um problema antigo. E começa sempre no inicio do ano quando a direção artística da orquestra monta o programa de repertório anual e esquece-se de pautar as obras em função das características técnicas de seu grupo.  Ora, se não somos a OSESP e não gozamos de prestigiosas condições de acesso e permanecia profissional, é claro que ao longo de cada ano existam periódicas migrações. Então, como posso prever ( dentro das perspectivas técnicas da ORSSE) que será possível a execução pretensiosa de uma Pétrouchka de Stravinsk? 

A equação é simples e pode ser sentido por qualquer pessoa naquela platéia que se dignifique a enxergar o todo. É claro que a nossa orquestra estadual sob a batuta do Guilherme Mannis deu saltos significativos. Estéticos e sonoros. Saiu de um ponto confortável para se tornar produto sergipano, mas morre a cada dia por não representar em nada o anseio do sergipano. Cada escolha de repertório da direção artística da ORSSE retrata o descaso da própria orquestra com o seu público. Não nos atende em nada, e é reflexo das escolhas irreais de repertório que a meu ver parecem mais trampolins para que nosso maestro coloque em seu currículo grandes peças, independente da execução e da qualidade.

Resultado disso é que a própria platéia que conseguimos cativar ao longo desses vindouros seis anos se resume a estudantes de música, familiares dos músicos e a tão célebre nata da velha aristocracia sergipana, que só vai ao concerto por preservar a idéia de que música erudita é produto de intelectualidade. Trazer grandes nomes nacionais ou internacionais aos nossos concertos não significa nada além de promoção artística. É uma política vergonhosa passível de indenização por propaganda enganosa. Melhor seria a humildade em reconhecer que a arte deve emanar do povo e para o povo e que não é empurrando goela abaixo a erudição extrema que vamos conseguir formar na terra das Araras um público cativo.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Há quatro momentos para o enterro da poesia

   
O concerto da Orquestra sinfônica de Sergipe (ORSSE) do dia 05 de julho se pretendia em sua primeira parte ser uma homenagem ao escritor e jurista sergipano Tobias Barreto de Meneses e não conseguiu transportar em sua música mais que desconforto e agonia. Encomendada pela ORSSE ao compositor e fagotista Cláudio de Freitas, a obra estava dividida em quatro momentos, cada um baseado num poema do literato sergipano lançadas em 1893 no livro chamado Dias e noites.

E a maior inconformidade foi não conseguir reconhecer nenhum traço sincero das características da escrita de Barreto nas músicas. A escolha dos poemas foi incrível: “Cena sergipana”, “Penso em ti”, “Gênio da humanidade” e “Que mimo”. A voz e o esforço rascante do baixo paulista Carlos Eduardo Marcos foi sublime e uma dádiva a parte, muito embora a poesia melódica das quatro canções sobre os poemas diz pouco sobre a escola literária a qual Tobias fazia parte. Ou sobre a verdadeira identidade do que se pretendia como poema. E não que devamos esperar verossimilhança. Sei bem a separação que deve existir entre os dois tipos de arte em foco, a literatura e a música. Mas entendo como leigo na observação que uma vez que se pretende criar uma arte com referências vindas de outra obra já existente, é necessário e de bom tom o senso mínimo de que é preciso ir além da estruturação harmônica musical para conseguir compreender a alma. E de fato, os poemas não conseguiram solidificar-se em música e tão pouco a melodia sobre os poemas de Tobias Barreto possuíam algo de alma.

As quatro canções acabaram sendo mais do mesmo no palco. Ao escutá-las não se pode compreender o lirismo romântico com que escreveu Barreto. Não se pode perceber a saudade e a solidão como partes distintas, já que as melodias pesadas e fortes eram figurativamente iguais de um movimento para o outro. De modo incongruente a parecer que a obra independente de sua qualidade, já que é um bom texto musical, não passa de uma encomenda pretensiosa referente à obra de alguém que se quer o compositor conseguiu entender minimamente. Diferente de quando se houve uma boa rapsódia sobre o tema sergipano do “meu papagaio” composta pelo pianista Daniel Freire. E não só por ter sido um filho da terra a compô-la, mas sobre tudo e fundamentalmente porque nela o pianista conseguiu sem engodos nos revestir de sergipanidade. Ao escutá-la é clara a nossa identificação.
Assim por dizer a cara dos músicos enfadados no quarto movimento que contou com um solo anêmico escrito para as violas, (e que não faz jus à condição técnica do bom naipe de violas na ORSSE), e a obviedade enfadonha na qual a platéia mergulhou, a peça é de um tom pós-moderno atormentado ao próprio tormento de perceber que podia passar sem ter existido. E é claro que não repudio a idéia da encomenda musical, repudio com esse texto o desperdício de dinheiro público investido sem nenhum tipo de supervisão artística nesse tipo de empreendimento.

Louvores sejam dados que nem todas as coisas foram perdidas. É justo o mérito que teve o naipe de trompas, apanhadamente bem afinados e junto a percussão dando vazão ao preenchimento da sonoridade no teatro Tobias Barreto. Também as cordas, que sem esforço algum conseguiram afinar-se em meio à inexatidões de melodias que lhes podiam ser oferecidas como luz em meio a tanto peso, tanto desespero harmônico. Resguardaram toda a ferocidade do naipe para a brilhante execução do concerto para piano e orquestra nº 2 do Alemão Johannes Brahms. Intercalados e mesmo com o peso das quatro canções anteriores, ainda assim conseguiram brilhar de igual modo com o pianista Ricardo Castro. Existia naquele conjunto muito de elaboração, de didática e compreensão. Cada nota nua no piano, cada ataque feroz do conjunto conseguia preencher o Teatro e com isso refletir que se havia um problema aquela noite, esse não era por parte dos músicos e sim da escolha desconexa do repertório. Já no sentido diretivo, o único aplauso vai para a apresentação da obra no programa impresso do concerto. É a grande diferença entre alguém que pesquisou com responsabilidade os traços e as singularidades da obra do poeta ao lembrá-lo como expoente da terceira geração romântica do Brasil, o condoreirismo, de alguém que escreve por habilidade uma obra orquestral e a mascara como referencia de algo que sequer compreendeu.