Havia previsto a mim mesmo antes de decidir ir ou não ao concerto da série Sons da Catedral nesta quinta-feira 27-09-2012 que de toda sorte, se nada fosse bom, se nada desse certo, ainda assim eu poderia admirar a arquitetura tão bem posta e em vias de reforma da nossa Catedral Metropolitana de Aracaju. Não foi de todo ruim assistir o concerto do ponto em que me coloquei. Do fundo pude antever melhor os abismos e respirar menos olhos atentos.
Duvidei logo nos primeiros compassos do concerto que ia ser uma noite intragável. E quase foi. Desejaria infinitamente poder dizer qualquer coisa que pudesse amenizar o que nos foi dado em termos executórios sobre a Música Aquática do G.F. Handel. Imagino que pensem que não temos ouvidos, ou que mesmo em sendo leigos não vamos reconhecer alguma estranheza qualquer quando somos acometidos por confusões estridentes ou lastimáveis faltas de fôlego. Ao menos pra mim que desloco fácil a atenção, a confusão se anuncia quando não consigo distinguir se aquela morte subita é de fato uma dinâmica piano escrita na obra ou algum tipo de incongruência. Insisto pela segunda vez que existe vigor, existe beleza que deveria ser melhor utilizada com o som das trompas.
Márcio Rodrigues, Spalla e solista da ORSSE |
Daí pra frente foi um bálsamo. Inegável sentir que diferente da última vez em que ouvi o Márcio Rodrigues solar na catedral, executando Haroldo na Itália do compositor hector berlioz essa noite, ele esteve leve, e tão significativo que não foi por menos ter arrancado aplausos demorados da plateia ali presente. O fato é que o conjunto orquestral estava muito mais confortável com a peça, muito mais transparente na mudança de andamento, nos ataques mais fortes que somavam boas respostas ao trabalho preciso da Viola do Rodrigues. Ainda que em alguns pianos súbitos eu respirasse calma, quando as notas voltavam a ganhar densidade e presteza nos dedos ageis do solista, eu voltava a aspirar qualidade. Escolher bem uma obra, ter tempo disponível para amaciá-la é um bom indicativo de que as coisas irão acontecer minimamente bem dentro do que é esperado entre acertos e sinistros. O Berlioz é prova do que tenho dito em relação a tantos pontos que podem ainda receber atenção na ORSSE, uma delas é que devemos a cada mês usurfruir de seus programas o talento individual do corpo técnico de músicos. É preciso reproduzir dentro de nossa própria estrutura bom material, e dessa maneira não necessitaremos nos vislumbrar com solistas as vezes tão pouco expressivos que insistimos trazer de fora. Existem uma gama de bons músicos na orquestra, existem nipes ainda a ser explorados na ORSSE, e mesmo que não os houvesse, já seria de certo modo injusto não incitá-los a buscar melhor qualificação. Os elogios sinceros à orquestra nesse momento do concerto que foi sem grandes estratosferismos um momento em que a sabedoria de entender que menos é mais prevaleceu no som limpo e seguro da viola que conseguiu disputar atenção significativa em meio a tantas cordas.
E então foi surpreendente ver que quando se prepara um espaço visivelmente de entusiasmo e linear introspecção musical, o que vem a seguir certamente vai ser ainda que fugindo a regra do gran finnalle com excertos Allegros, uma boa apoteose. Assim o foi com a Nãnie do J. Brahms. Confesso que não esperava que o Coro Sinfônico fosse me surpreender tanto como o fez. Logo no primeiro movimento mostrou-se diferentemente aveludado e tão bem posto numa doçura angelical. Ainda que eu insista em creditar parte desse sucesso à atmosfera espiritualista do interior da igreja, reconheço que também nesse momento do concerto eu desejei mais tempo, que durasse mais, que tocasse a cada um ali sentado. Foi doce como morrer, escutar a orquestra divagar sobre a beleza que há na dor e na perda. Foi impactante lembrar que a boa música independe do idioma cantado ou do público que a recebe.