quinta-feira, 28 de março de 2013

A alma Mahleriana chamada Claudio Abbado


Claudio Abbado
O monstro é como pedra rolada num terreno íngreme e com final indecifrável, é nada sem seu mentor. Assim como a vida que flui de uma obra musical especifica só tem alma quando posta sobre mãos cuidadosas e atentas. Há quem diga que as mãos do italiano Claudio Abbado nunca foram firmes, e que sua fala amistosa, suas posições marcadamente democráticas eram atavio ao fato de que o maestro tenha tido a dura missão de suceder em 1989 o Maestro e ditador austríaco Herbert Von Karajan a frente da Orquestra filarmônica de Berlim. Poderia seguir esse texto demonstrando vida e obra desse grande gênio da batuta, de modo a fazer uma volta analítica e explicar sua veia artística (já que era filho do famoso violinista e compositor Michelangelo Abbado) de como ainda pequeno frequentava as principais salas de concerto, ou de como fazia parte dos ensaios de concertos e neles viu a dinâmica severa de liderar um grupo orquestral , como quando relatou sentir-se repelido da ideia de regência por ver na figura abusiva e tirânica do grande Maestro italiano Arturo Toscanini para com os músicos. 

Tudo isso desenha enorme sentido ao grande nome que Abbado representa para a música erudita contemporânea. Através de seu posicionamento polido e não menos enérgico conseguiu manter-se a frente da principal orquestra em atuação que se conhece: Filarmônica de Berlim por 13 anos e não só. Foi líder de tantas outras tão importantes e expressivas quanto: Orquestra Sinfônica de Londres, Diretor musical da ópera estatal de Viena, do Teatro Alla Scalla de Milão...  Esteve acima, viu a glória, sofreu ataques e oposições de quem o julgava já ultrapassado. Em 2000 foi diagnosticado com um câncer de estomago e em seguida sua demissão da Filarmônica de Berlim. Todos esses fatos poderia ser o foco principal deste argumento sobre o qual discorro. Mas sinto ser mais importante identificar de que forma o Maestro Claudio Abbado fez existir o poeta romântico tardio Gustav Mahler.

É indizível a compreensão que existe da obra, do espírito e da materialização da alma do Mahler quando postas sobre a batuta do Abbado. Sem o apuro delicado com o qual o maestro desengavetou a importância da obra do compositor austríaco, possivelmente ele fosse ainda visto como poeta menor, marcado apenas por ligar a música do século XIX ao período moderno. É sobremaneira o casamento perfeito entre a grandeza das sinfonias e canções malherianas (sobre tudo a canção da terra Das Lied Von Der Erde)  a doçura arquitetônica do Abbado fazê-los estar juntos como um só diante de qualquer plateia. Isso tudo só tem sentido quando entendemos a demanda de trabalho a qual dedicou o Maestro Abbado em toda sua carreira a ler a obra do Austríaco Mahler. Ele não só oportunizou espaços para que fossem executadas as suas obras como deu importante espaço de divulgação através da gravação de suas principais peças e também não deixando que em seus principais concertos Mahler estivesse representado. Não vejo pecado nesse sentido. 

Dedicar-se como o fez a obra de Gustav Mahler só contribuiu para que o homem por trás da casaca e da batuta fosse sendo desconstruindo o mundo e os estigmas que lhes impuseram. Se lhe faltava tirania, acentuava-se nele a percepção leve de que qualidade não se exige aos berros ou com atos institucionais que tolham a liberdade, a mesma liberdade que o fez não se prender apenas à obra do Mahler.
Abbado é antes de tudo um visionário que prima pela qualidade. Não se deixou prender a um compositor apenas, e embora tivesse nítida predileção sobre a obra do Mahler, sabia a importância de passear por outras escolas, outros períodos. Fato esse que o fez como último ato frente à Filarmônica de Berlim, a série das nove sinfonias do Beethoven. Gesto que demonstra sua prudência diante dos espaços em que se coloca. E embora também esteja visivelmente marcado em sua gestão o espaço atento para a execução de obras mais modernas que barrocas, não deixou de lado a atenção para autores mais batidos como Rossini, Shubert, Mozart. 

O que o difere nesse sentido, é a voluptuosidade com a qual consegue confrontar toda a verdade que existe por trás do Mahlerismo e quando se dispõe a reger uma obra sua, o faz como um exercício espiritual. E essa alma sempre será prestigiada como quando voltou a reger a Filarmônica de Berlim para a gravação da 6 Sinfonia do próprio Mahler e que essa mesma gravação lhe rendeu o premio de Melhor Gravação Orquestral e Gravação do Ano em 2006 da revista Gramophone. A Academia da Orquestra Filarmônica de Berlim estabeleceu o Claudio Abbado Composition Prize em 2006 em sua homenagem. Sua postura caquética, débil e os gestos tão suaves e aparentemente fracos diante dos gigantes músicos, não o derrubam nem por um segundo. É visível que reger uma obra de quem a admiração chegou antes da obrigação de pautá-la por modismos, faz diferença célere em relação a recepção do que se executa. 

O cansaço aparente, o fôlego que falta toda vez que vejo uma execução sua diante da obra do Mahler me faz repousar tranquilo na certeza de que se existe arte, ela foi feita para os que a sabem tocar. E não afasto a certeza de que a arte deva ser partilhada e consiga alcançar os subsolos das camadas sociais, é inclusive um dever de quem promove a arte, mas entendo com essa fala que é preciso mais que alma para se debruçar sobre uma peça sinfônica. É muito mais que a compreensão do período, da escola, das características analíticas e tão claras que qualquer estudioso da música possa identificar, é ir além de toda essa obviedade que vejo mergulhada a contemporaneidade musical e tomar para si como sendo de fato seu. E não no sentido da posse, mas de sentir-se afagado pelas mãos que um dia escreveram tais preciosidades. É entrar em seu espírito como sendo um fiel companheiro que mais escuta que fala, e fazer do seu estrado, da sua batuta, do seu silêncio quase vultoso (como vejo sempre o Abbado) um diálogo primoroso entre a razão e o espírito quebrantado de alguém que já não está mais presente, aparentemente.




sábado, 16 de março de 2013

Um dia me falaram sobre os reis, as leis e a dor, ou de quando eu prefiro ser um idiota para não me importar com as propagandas enganosas. O ano musical começou ontem em Sergype Del Rey: Certamente teremos muito mais danças, gastos estratosféricos, e pouca qualidade orquestral. Estamos indo de volta pra casa?

1. O único respeito que ainda resta a Orquestra Sinfônica de Sergipe (ORSSE) se dá pelo trabalho duro de seus músicos. Pela resistência ao desconforto natural de executar de maneira pífia algo que nem de longe fora lapidado. Se algo neste concerto de abertura de temporada não foi perdido, unicamente foi a defesa natural que cada músico fez de si ao tocar de maneira tão célere. E foi agradável em certos pontos. Conseguiu prender no primeiro ato e de lá pra frente só nulidade.

2. Acreditei ainda esperançoso que a Abertura da Temporada 2013 da ORSSE fosse ser um indicativo de mudanças e melhorias. As mudanças foram faladas, mas me parecem exatamente limitadas e mentirosas.

2.2 Por falar em mentira, não entendo porque cargas d' água o povo sergipano insiste em não preservar a memória. É mais fácil acreditar no que é veículo de propaganda. Já dizia o ministro de Defesa do Hitler: Uma mentira contada várias vezes torna-se verdade. Fato. Afinal de contas, qual a necessidade de afirmar que o CD em homenagem ao Villa Lobos (gravado em 2009 e lançado ontem) fora o 1º da ORSSE? Só não sabe quem não quer saber que em 2006 fora distribuido de fato o primeiro, gravado entre 2005 e o ano seguinte: Lembro exatamente o dia da gravação: era a 9ª do Beethoven e o Sibelius sob a Regência do Maestro antecessor. A não ser que de fato eu esteja equivocado e ficaria imensamente feliz que alguém se dignasse a me mostrar meu erro. Pode ter certeza de que Abrirei um imenso espaço neste blog para admitir minha falta. Isso não deveria ser um campo de batalha, mas se em toda guerra necessitamos sangue, que não seja o meu a ser derramado!

2.3 Só para desencargo de consciência: Referência a gravação do 1º CD da ORSSE .

3. Sim, sei exatamente que terei que passar mais um ano escutando que escrevo por encomenda, que meu apreço por essa visão colérica é o que movimenta a máquina deste blog, e não vai me irritar mais que o fato de que tolo é quem realmente acha que para além de alguma predileção a verdade simples dos fatos é que vá ser importante. Me nego a acreditar que para que um trabalho seja qualitativo seja necessário desconstruir algo que é parte da história. A ORSSE de hoje é um produto vistoso e que desejo a cada dia que vingue. Mas que vingue dentro da possibilidade de não esquecer que para os jovens que hoje fazem parte da própria orquestra, tudo o que vivemos em termos de repertório e construção musical desde 2004 não pode passar com irrelevância, e tão somente por sabermos que ali foi o começo dessas portas que hoje são amplas. Ora, então creditar a criação de tantas coisas que antes apenas não existiam e não eram acessíveis como hoje o é, é diminuir o trabalho de quem se põe agora? E nisto não estou pondo como confronto a qualidade musical daquela antiga Orquestra, ou a de hoje. É  apenas uma percepção rasa de que cada tempo é determinado para uma finalidade e disso fazem parte questões analíticas as mais diversas. Dinheiro, apoio, prestigio, propaganda, conduta... Imagina só a desconstrução da OSESP só pelo consenso de que o grande maestro John era um déspota? 

4. Tive a infelicidade de escutar do maestro titular da ORSSE em seu discurso de abertura da temporada, menção ao fato de inovar sempre, trazer novidades e blá blá blá blá que não se aplica. Em sete anos, acredito que os únicos dois que foram realmente positivos fora o de 2009 e o de 2011. E falo em termos de qualidade e não de propaganda, afinal, são sete anos mais do mesmo. Dedicar parte de seu repertório à execução de obras da tradição junina não deveria ser pautado como esmola ou favor. É a minima coerência que se retribui a quem lhes paga o salário e mantém ativo. Privilegiar artistas da casa é no minimo fazer uso do bom senso: São artistas, músicos, profissionais que estão aí a prova justamente para isso. Ópera, sinfonia grande de Schubert ou a rainha da inglaterra tocando alaúde no palco do teatro Tobias Barreto, não importa nada, nada disso tem razão se não existir de verdade uma predisposição a entender de que maneira, quais os caminhos são necessários para uma aproximação entre orquestra e público!

5.  Aliás, embora meu desgosto seja aparente, ainda não desisti de acreditar que tanta coisa possa ser diferente. A começar pelo espaço dado ao uso de nossos músicos como solistas. A equação é simples: se temos um bom pianista, algumas boas cordas, uma boa percussão, metais agradáveis dentre cantores e coralistas. Se essas pessoas tiverem seus potenciais explorados não precisaremos gastar a cada bimestre dinheiro convidando nomes de fora. E que fique claro, não é convite, não são valores ínfimos: é contratação e pautada pelo valor cordial que cada um impõe... É também o desejo de ver tantas boas obras serem tocadas de verdade (ao invés de querer ressuscitar uma Pétrouscha tão comodamente morta), de ver tantas obras eruditas que são bem mais eficientes em dialogar com o público e formar plateia. Ontem o teatro estava vazio (levando-se em consideração a importância da apresentação) ao contrário do que apregoou o Maestro Guilherme Mannis. Isso deveria não alegrá-lo e sim refletir sobre o porque de mesmo passados sete anos, a ORSSE não ter sua casa cheia como rotina.

domingo, 10 de março de 2013

Pão e Circo sim! Mas pão doce e circo de qualidade.

Vários amigos assim como eu próprio seguem o coro dos que não comungam de tanta afeição pelo violinista e show man francês André Rieu. De fato o tom circense e tão célere em suas apresentações me deixam as vezes (a maioria delas) atordoado com a mudança abrupta de melodias e gêneros musicais. Essa falta de formalidade estética, essa aparente falta de comprometimento com as linhas mais conservadoras de promover música, veio por terra quando o escutamos afirmar emocionado, como o fez essa noite num especial gravado e exibido pela Rede globo de televisão, afirmando que era feliz por ter escolhido a mais bela profissão do mundo. A de ser músico. E ainda arrematou dizendo desejar poder passar ainda muito tempo tocando ao lado de sua orquestra. Sim, sua orquestra!

É bem imaginável que para seguir por tanto tempo nessa linha de conduzir a música clássica por um caminho estritamente popular (no sentido da concepção de show) Rieu precisasse criar um grupo seu, com suas características qualitativas e disponibilidades de viagem. Não é de se pensar que todo músico se proponha a fantasiar-se, dançar ou mesmo receber com felicidade interferências constantes da plateia durante as apresentações. Em seu site de divulgação o Violinista explica "Eu e a minha orquestra somos quase como um casal. Não posso estar sem eles e eles não podem estar sem mim. Quando andamos em digressão, divertimo-nos imenso. Além da forma profissional como trabalhamos, considero isso muito importante. Se não conseguimos viver em felicidade e harmonia, como poderemos realizar concertos maravilhosos em conjunto". E deve também a isso o sucesso do grupo. A resposta rápida e o diálogo constante com o que mais importa na hora de um concerto. A plateia. 

Ainda assim para além de qualquer defesa, já que reconheci no início deste post que André Rieu não me apetece quanto poderia. Não posso deixar de reconhecer a importãncia de seu trabalho na difusão da música erudita. na forma com a qual toca uma obra e de maneira inteligente e sensível consegue fazer exalar os sentimentos nas pessos presentes em suas apresentações. Foi o que vi. Foi o que me motivou escrever. Porque na apresentação em questão pude perceber e me emocionar ao sentir tocadas pelas melodias tantas pessoas ali atentas. 

Foram duas oportunidades em particular. A primeira com a Ária Nessun Dorma (ninguém durma) do compositor italiano Giácomo Puccini, extraída da ópera Turandot e tão bem executada a fim de emancipar-nos à percepção de estarmos num quarto frio, olhando as estrelas e tremendo de esperança como a personagem central da ópera. O choro derramado e compartilhado em muitos na plateia é o divino sinal de que a música, no fim de si mesmo é o que mais importa. Que quando se a escuta, não importa a roupa, nem menos se o grupo detém nome de prestígio. A música precisa unicamente dialogar com os vários sentimentos guardados em nossas entranhas. E justamente por isso me emociono ouvir a canção brasileira Manhã de carnaval (Marcelo Bonfá), tão bem amaciada pelas três cantoras do grupo Carla Maffioletti, Kimmy Skota e a Paulistana Carmen Monarcha. 

Sempre que vejo um grupo de outro país executando nossas músicas tenho a impressãode que são quadrados, que não conseguirão nunca entender nosso balanço. Mas as batidas do violão num ensaio prodigioso de boa bossa nova, a delicadeza das vozes cantando a manhã de um carnaval que não é passageiro, e a plateia num coro silencioso de atenção e reconhecimento de algo seu por natureza, me fez imaginar que sim, existe compreensão da dimensão grandiosa que são os nossos ritmos. Nossa música ecoa. E mais importante que divagar sobre sua construção e efeito, é sentí-la como espelho.