quinta-feira, 9 de outubro de 2014

As composições de Piano do Paulo Francisco Paes são como chão de Nuvens.

O dia de ontem foi feliz por duas grandes apresentações de piano na cidade do Rio de Janeiro. Ao meio dia e meio no CCBB dentro das programações do importante projeto Música no Museu pude ver o jovem Pianista e compositor Paulo Francisco Paes, já a noite no espaço BNDES às 19h o prestigiado Arthur Moreira Lima. Dois espetáculos grandiosos e inteiramente gratuitos que dentro de características distintas nos aprisionam a vê-los. E assim o foi. 

Embora eu tenha rabiscado inúmeros pontos a partilhá-los aqui, decidi de última hora e como um sopro no ouvido que não me deixou ir por outro caminho, escrever sobre o que mais me prendeu. E se eu pudesse classificar a apresentação do Paulo Francisco, diria que foi como repousar sobre a possibilidade de mergulhar num quadro de imagens fortes ainda que as tintas fossem as mais claras na tela. Não o conhecia, confesso. De Aracaju quase não se pode ver o mundo ainda que a internet seja uma explosão de informações e novidades. Daí a importância de sempre e quando sair em busca de novos ares, como me propus agora estas duas semanas.

O jovem pianista já é bem conhecido por aqui e também já bastante laureado com premiações por todas as partes. Nada que seja maior em sua biografia do que o ar sereno com o qual mostra que identidade musical nada tem a ver com o corpo que se move frente ao instrumento. Mas que ir além na interpretação de determinada obra é o diferencial que impulsiona o êxtase da arte. Ao vê-lo em cena é como não esperar nada além de talento, mas ao escutar as primeiras notas de seu som, é sentir-se como entrando num vagão, feito o do Villa, e ser levado aos altos picos da montanha para de lá ver quão grandes possibilidades de frio na barriga se pode ter ao segurar a mão de um desconhecido.

Paulo Francisco Paes - Pianista
Paes foi grande nas interpretações de Bach, e se parecem tão íntimos os dois que não tive dúvidas de que era como a leitura de uma carta a um amigo. Da mesma forma com a qual passeou por Villa Lobos, Debussy e Nepomuceno. Todas as peças vibrantes e que preencheram o Teatro II do Centro Cultural Bando do Brasil (CCBB). Mas foi mesmo quando se lançou a executar composições próprias de seu recente primeiro cd intitulado Chão de Nuvens, lançado em 2013 no espaço Tom Jobim aqui no Rio de Janeiro, que me desvencilhei um pouco do costado da cadeira a escutar com enorme afoitismo a grandiosidade daquelas peças que mesclavam com muita propriedade o o erudito e o popular.

Ao executar Fragmentos, e Naquela Tarde, sentia-me como vagando por um imenso corredor de muitas portas em busca de uma que me libertasse para o mar, tudo isso numa cadência misteriosa de ataques rígidos e de cinismo musical recorrentes nos filmes não comerciais. Ao me precipitar por cada porta, levado pelo martelar ora forte, ora delicado do piano, não antevia a facilidade que era girar a maçaneta e entender que lá fora, com o brilho do dia eu podia sentar-me à beira da fonte e escutar o canto dos pássaros. Era como ir-se, descortinando a natureza à medida que Paulo, no auto de seus 30 anos e recém regressado de uma temporada de estudos na Espanha, encheu de maturidade e ternura a Música no Museu.

De forma que vale a recomendação de alguns minutos de beleza e engenhosidade aos que se deixarem tomar pela mão num passeio até o alto da colina e conhecer os prodígios de um cd  que inspira e diz muito sobre o novo olhar musical autoral no Brasil. Mais jovem, valente e ainda cheio dos mesmo velhos sentimentos de ondas do mar. De lá, a imagem é tua e não importa como as pinte, certamente os tons serão de alvorada.