domingo, 24 de maio de 2015

Ele me perguntou se no céu tem Beatles e eu pensei entre o groove e a maciez firme dos pizzicatos que chegavam a mim que céu é onde se propõe tocar a Orquestra Ouro Preto.

Ou poderia apenas ter respondido que bastou que esse céu fosse Aracaju na noite do último sábado 23. E que a chuva caia torrencial lá fora como forma de apaziguar o fogo incontido que saltava daquele repertório para as cadeiras do pequeno Teatro Atheneu, impregnando de esperança os tempos nublados na música sinfônica aqui em Sergipe.
O repertório já conhecido do quarteto de Liverpool ganhou roupagem doce ao mostrar a possibilidade de grandiosidade na junção de um grupo de rock e uma formação de câmara  tocando clássicos do Beatles como Yesterday, Let It Be ou Hey Jude. Esse próprio fato me fez lamentar não ter podido ver essa mesma concepção idealizada pelo James Bertisch e executada pela Orquestra Sinfônica de Sergipe no final do ano passado. Muito embora não estive presente não deixo de entender que foi um grande concerto e uma grande noite pra nossa orquestra sergipana.

Maestro Rodrigo Toffelo
E levei algumas horas imaginando o primor, a dedicação com a qual o grupo se colocou diante desta nossa plateia, que ainda em formação já dá sinais de entender cada espaço como uma construção do apuramento musical. O que em nada diminui a exasperação quando ovacionavam aos gritos o findar de cada peça ou mesmo ao começo ou meio de uma melodia. Ah que se perdoar este pecado lembrando a fala do próprio Maestro explicando que música deve ser a comunhão. De modo a naturalizar algo peculiar e tão sensível na maneira como o Rodrigo Toffolo parece entender a arte, e de como falava à plateia sobre movimento, arte, pintura e literatura sem carregar no tom pretensioso ou carregar a áurea arrogante dos mais iluminados quando tentam conquistar uma formação musical impondo uma erudição aristocrática que não cabe mais no espaço coletivo de uma plateia em movimento e não mais apenas passiva.


Ao que parece ser necessário abrir parêntese para a importância de agências patrocinadoras do fomento a arte e cultura como faz a Petrobrás com a Sinfônica Ouro Preto e suas turnês. É sobre tudo como um alento possibilitar que a arte se propague e avance caminhos que de outra maneira não seria atingidos sem o apoio e o incentivo financeiro. Um importante gesto para celebrar o ciclo de 15 anos desta orquestra que faz de sua juventude um aporte de qualidade e ousadia.

Orquestra Ouro Preto
Tudo isso evidenciado pela técnica impecável com a qual cada naipe mergulhou no repertório clássico dos maiores ícones do rock mundial. Com a delicadeza de entender os espaços de silêncio que se faziam presentes em conduções tão seguras de coisas que para muitas orquestras ainda é um grande desafio, vide a delicadeza nas dinâmicas de piano, do crescendo prolongado que criava intencionalmente esse movimento de tensão entre esperar o ápice da canção se materializar e o expectador poder se libertar de todas as suas limitações e dançar, cantar e se envolver. Me deixou apaixonado. A mesma paixão que não me faz esquecer o solo de viola, da clareza com a qual aquele vulto de pele macia e tez tranquila proporcionava em diálogo com minhas mais notadas frustrações de entender tardiamente a beleza que emanava dos sons mais graves. 

Fato esse que me fez pensar por longas horas sobre como deveria ser a recepção da música nas entranhas da violino que dançava ao receber a música de olhos fechados enquanto manejava seu instrumento, ou de quando ponderei ser precipitação, contemplação ou abstração da realidade desejar que aqueles cellos pudessem coexistir cá em nossa terra.E que a doçura da maciez daquelas arcadas convulsionando sincronizadas não anulava em nada o controle de arco que saltavam como prelúdio para os mais lascivos Pizzicatos que escutei até aqui. De quando evidenciei que o riso do maestro, a entrega dos músicos àquela magnifica banda de rock infelizmente era um campo de possibilidade de quando em quando em atear fogo as convicções mais conservadores entre a possibilidade de correlação e intertexto entre as manifestações de arte em nossas instituições.


Fotos: Nathalia Torres