terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O tempo todo quando falei sobre trilhas sonoras quis falar um pouco sobre o primeiro filme que me veio em tom de melodia.

Não queria começar falando explicitamente sobre “tudo sobre minha mãe”. Talvez nem devesse fazê-lo. Mas não há como. Foi através desse filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar que pude penetrar a fundo o mundo de Alberto Iglesias. O nome nem é conhecido por aqui na terra da Bossa Nova, talvez nem muito conhecido seja por aí a fora, porém sua obra é de grandiosa valia para o mundo cinematográfico e musical. Alberto Iglesias é responsável pela trilha sonora de alguns famosos  filmes espanhóis como “Fale com ela” e “Má educação”, todos de Almodóvar. E tem se colocado a cada novo filme como grandioso entendedor da interdisciplinaridade artística, porque ao compor não o faz como um enxerto. Alberto é dos pouco que conseguem elaborar com firmeza um cenário próprio e independente das imagens postas. Suas melodias são sem dúvida um ataque responsivo aos diálogos entrepostos nas tramas. Casando imagem e música, eles não necessariamente necessitavam aparecer, ou a bem de meu afã por ser justo. Em última instância as melodias de Iglesias e os quadros cinematográficos do Almodóvar coexistem como necessidade de lacerar nossas convicções.

Iglesias vem se consolidando como um grande compositor de trilhas sonoras, e não é a custa de pouco esforço, porém de um notável talento; o compositor espanhol já conta em seu currículo com uma nomeação ao Oscar (prêmio concedido pela Acadêmia de Artes e Ciências Cinematográficas (e embora isso, não acho que seja o ponto mais relevante em sua biografia) ). No ano de 2005, plateias de todo o mundo pararam para escutar a doce trilha sonora do Filme  “O jardineiro fiel” do diretor brasileiro Fernando Meirelles (que havia sido indicado ao Oscar) e percebê-lo se reinventar dentro dos aspectos que o fez conhecido, sobre tudo por ter encabeçado a direção musical dos últimos cinco mais recentes filmes do Almodóvar.  É com a mesma doçura que compôs a trilha do “Jardineiro fiel” que Alberto Iglesias assumiu no ano de 1999 a direção sonora de “Tudo sobre minha mãe”, e é também com a mesma força que ele repete a fórmula com que se inaugurou no cinema ao fazer a trilha do longa metragem chamado “Vaca”, do diretor espanhol Julio Medem, no qual Alberto Iglesias faz uma descrição surreal do bosque, lugar central a partir do qual nasce e morre o enredo e seus personagens. 

Manuela e Esteban
Chamá-lo-ia aqui de Realista, porque é assim que ele se apresenta e faz de sua obra uma marca descritiva e fiel a cada quadro e personagens. Em “Tudo sobre minha mãe” não é diferente, e traz outra característica não tão comum ao agrado dos expectadores: toda a trilha sonora é instrumental, tendo apenas uma única canção cantada, Tajabone. Iglesias é cabal ao buscar no limiar de cada cena a emoção do contexto descrito no filme de maneira a associá-lo ao seu tema, nomeando por vezes as canções de acordo com as cenas; isso acontece com a canção “Não gosto que escreva sobre mim”, originária da cena em que Manuela conversa com o filho, Esteban, às vésperas de seu aniversário e em que ela ao saber do filho que ele escreve tudo sobre ela; diz a ele  não gostar de saber que ele escreve sobre sua vida; assim, o faz também quando Manuela decide ir visitar o receptor do coração de seu filho que havia morrido num acidente de carro no dia de seu aniversário, numa visita literal ao coração e às memórias do filho morto. 

Tal canção é coroada com o título que mais parece um pedido agoniado sob o embalo forte dos violinos: “ Traz o coração de meu filho”. Essa é, talvez, a característica mais viva de um compositor que sabe dosar a comicidade e a dor. E vai além; faz uso de elementos cotidianos na cultura musical de seu povo e as coloca para o filme ora como batida forte da música cigana ora na tristeza e sensualidade absoluta do tango. Alberto Iglesias foi sem dúvida um grande colaborador para que o filme “Tudo sobre minha mãe”, concorrente ao Oscar de melhor filme estrangeiro do ano de 1999, fosse consagrado como o favorito do público e dono da estatueta. Com isso, Alberto se consolida não apenas como um grande compositor de trilha sonora, mas como um músico de alma, que vai além do que diz visualmente uma partitura; ele toca-nos, tocando as feridas de cada personagem que se encontra na dor e alegria do expectador.

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Um comentário:

  1. É realmente um filme muito bonito de se ver, e ao mesmo tempo em que carrega o seu tom dramático, também consegue ser bem cômico.Considero um dos melhores filmes do Pedro Almodóvar. Quanto à sua trilha, não consigo imaginar "Tudo Sobre Minha Mãe" sem as composições de Alberto Iglesias.

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