segunda-feira, 6 de maio de 2013

Quem saberá contar o enredo Sem alterar o tom, o teor e o desfecho: Sem errar, nem mudar uma vírgula? Ou Quem me dirá não o que desejo nem o que sei Mas aquilo de que preciso Sem botar nem tirar uma sílaba?

Ouvi uma vez e com assombro um amigo reproduzir o conceito winkpediano do que seja música  (muito mais pela fonte que pelo conceito), e embora eu tenha achado curioso, no fundo deva ser mesmo isso: a combinação entre som e silêncio. Nesse quesito a noite da última sexta-feira 03.05.2013 foi esplendorosa para o violinista e Spalla da (ORSSE) Márcio Rodrigues. Foi sem dúvidas resposta qualitativa em relação às suas últimas apresentações, sobre tudo quando tocou sem paixão o Por una cabeza visto aqui. Consegui ver algo que raramente presenciamos nos concertos em Sergipe: silêncio. E não silêncio por vias tediosas, mas aquele cuja contemplação se açoita em cada respiração atenta como forma de capturar alguma nesga de entendimento. E nem de longe era preciso já ter escutado o forte concerto nº 22 para violino e orquestra do compositor italiano Giovanni Viotti, para sagrar a noite como sendo peculiarmente atípica  Como sendo exclusivamente a noite do Spalla e suas cordas. E justamente por isso, para não colocar essa apresentação tão primorosa na vala comum a qual o Maestro Guilherme Mannis enterrou a segunda parte do concerto, e também para não diminuir em nada a felicidade de ter ouvido música boa depois de tanto tempo já que havia afirmado que esse seria o programa que de certo levaria a Orquestra do céu ao inferno, dialogarei apenas com aquilo que me trás à memória esperança.

Ainda que eu entenda ser esse concerto tecnicamente bem executável, e tangível a qualquer precipitação de complexidade, sem dúvida esse fato tornou o concerto atraente em medidas. Pelo conjunto sobre maneira. Que delinearam ótimas respostas aos apelos cênicos que emanavam do solista. É por si mesmo a solução para que a nossa orquestra encare de frente e com seriedade o papel que pauta encenar: qualidade, responsabilidade e consciência de suas capacidades técnicas. A mais de três anos como principal violinista da Sinfônica de Sergipe, Rodrigues com certeza já pode ter-se testado em várias performances solísticas, mas sem resignação entendo essa como a mais forte. A mais intuitivamente verdadeira, ainda que aquém daquilo que sabemos bem, esse grande violinista pode dar. E neste Viotti pude perceber para além dos bastidores, a sua potencial liderança. Conseguiu alçar junto com o Viotti, mas inegavelmente usurpando forças que lhe eram concedidas diretamente de seus companheiros músicos. O que me leva a constatar com pesar algo que já digo entre meus amigos mais atentos: O tempo é cruel, o tempo acomoda qualquer perspectiva e imobiliza os instintos de perceber os abismos. Espero com isso que haja tempo que Márcio Rodrigues, para além de qualquer predileção, possa entender o tempo essencial para cada ruptura. Que veja nas fênix um movimento de transição e trânsito.

Foi realmente grandioso e salvador o Concerto. Foi empolgante como não imaginei que seria (ainda que eu esperasse pela ordem natural das coisas) que o concerto de Viotti fosse vir na segunda parte do concerto, para que pudéssemos ter a oportunidade de um Bis. Para que no final das contas a sensação da grandiosidade de sua execução ficasse mais presente do que a decepção de ouvir (para além de qualquer obviedade) uma Pétrouchka disforme. O silêncio a que me referia foi para mim catalizador para entender que algo novo vem acontecendo. A música finalmente tem começado a educar por si só a percepção   musical coletiva mesmo entre os mais leigos. Parece que os sons conseguiram ultrapassar o palco e dialogar com a terceira parede, fazê-los calar para que interiormente pudessem escutar a alma que emana da arte. E foi assim em muitos momentos grandiosos do concerto, onde pude contemplar a dança violar o espirito denso de um homem cujas feições são tão rígidas mas que o coração pulsa  à distância. E sua dança, longe de afetação, conseguia envolver todo seu naipe, toda a orquestra, que parecia animosamente compreensiva em relação a lei de causa e efeito. Para o que cada golpe violento e com desejo de existir, estimulasse todo o conjunto a soar uníssono e com uma identidade que só se vê raras vezes. Os apreciei com imenso afã executar brilhantes o lirismo que existe o Viotti quase sempre tão operístico.


3 comentários:

  1. Que bom. Fico contente ao ouvir (e ler) comentários sobre o Viotti da sexta. Resposta clara do sr. solista, não porque ele precisasse provar qualquer habilidade técnica, mas por parecer ter trazido à tona mais uma vez a boa música.

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  2. A Pétrouchka estava sim disforme, mas não em todos os momentos. Houve momentos, pouco, em que pude apreciar um pouco da leveza e diversão que a peça originalmente pode trazer.

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  3. 1. O Viotti foi realmente empolgante Thirza. E sim, O Márcio estava tomado, no bom sentido, àquela noite!

    2. Finalmente parece haver esperança. Parece haver qualquer precipitação sobre a função maior que um blog deve exercer: o debate. Espero de verdade que esse seu comentário Társis possa trazer à tona a importância de não apenas comentar, mas também de deixar claro as discordâncias sempre que elas existirem. Muito bom comentário. Não me atrevo a discordar por hora.

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