sexta-feira, 12 de abril de 2013

Insensatez?

Ruminei vário dias entre o oficio de escrever ou não sobre o ultimo concerto da Orquestra Sinfônica de Sergipe ORSSE. Divaguei se deveria seguir com este blog do jeito que ele é, me dedicando a ele como me dedico e colhendo flores e espinhos. Mais espinhos aliás, muito mais, por sorte. E o fato é que o espaço que darei neste post não irá no sentido de remoer a dor de ver destruído o trenzinho do caipira (Bacchianas brasileiras nº 2), ou de procurar percussividade no Huapango e me frustrar por sentí-lo tão pouco latino, tão pouco fervente e inquietantemente reto tecnicamente. De sorte que ali estava o quarteto de violões Quaternaglia para salvar a noite desastrosa.

De sorte que passado uma semana, hoje a noite me deparei com um convite a assistir a 6ª edição do RAMU (que a bem da verdade não sei o significado, mas que imagino, seja: Recital de alunos do curso de música) realizado no Teatro Atheneu. E depois de digerir algunos tacos que he comido me ponho a pensar em tudo aquilo que ainda me dá esperança de dias musicais melhores. Vi muita porcaria, e não o digo com pesar, antes da exposição de si ou de algo há que ponderar o ônus e o bónus da recepção. Cantar é também um exercício sério, a voz é sobre tudo um instrumento e ecoa. Ainda que bem tímido, desafinado e insensato tanto quanto a escolha de não mostrá-lo como canto novo. O que por hora se recobra em conforto quando lembro três grandes pontos importantes nesta noite:

João Liberato
1. Mais do que executar, um músico de verdade, assim como o ourives, lapida. Amacia a coisa amada como se fosse o próprio ego. É uma relação doce entre amado e amante como postulou o velho rabugento Aristóteles ao falar da amizade. A virtude aristotélica consiste no esmero esforço do equilíbrio entre os vícios da falta e do excesso. Em posição de destaque se encontra a amizade, como virtude necessária no compartilhamento da felicidade. Vejo amizade entre João Liberato e sua flauta. Ouço esmero para além da predileção do som limpo e dos floreio longos, seguros e lascivos, existe talento em seu sangue. De modo que não consigo definir quem é o amante, quem é o amado. E embora exale no palco também a vaidade, essa, é permitida ao que assim como Narciso acha feio o que não é espelho. E quando a música é o espelho d'alma? Aí não vejo o rosto bonito, a pele bem vestida ou a altura de sua figuração: tudo é música, por que de resto, debaixo do sol, tudo é no fundo vaidade. 

Orquestra Sergipana de Contra-Baixos
2. A OSCON (Orquestra Sergipana de Contra-baixos) foi imensamente feliz em muitos aspectos. O primeiro, de existir. Sua concepção é um leque que se abre para que possamos quebrar a hegemonia das classes musicais em Sergipe. Houve um tempo em que não existia opção e que tudo emanava da erudição da Sinfônica de Sergipe. mas todos esses contra-baixos reunidos, musicais e pretensiosos como se apresentam, é uma jovem oportunidade de outros espaços, outras perspectivas musicais. E qualitativa como se pretende sob a direção do Contra-baixista Carioca Jair Maciel que não só oportunizou esse agrupamento, como o gesta como um filho. E embora eu veja doçura neste gesto, há que disciplinar para que vingue e se mostre grande como pretende todo pai. De certo que a criança já dá sinais de lucidez e longe vida. Espero vê-los correr sempre contra a perspectiva rasa de subordinação. Que caminhe sempre na direção da qualidade e do entretenimento, como o foi sob o tema da Pantera cor de Rosa do Mancini, e que os aplausos sejam só indicativo de festividade e mola impulsora por voos maiores, assim como a grandeza de vossos instrumentos.

Daniel Nery
3. Por fim, ou de sorte que tenha sido no fim, e eu tenha pensado tão mais sobre se valera a pena ou não ver o coral de alunos regidos pelo professor Daniel Nery. É certo e imagino que não haja enganação existencial de que o conjunto fora tão pobre e inexpressivo tal qual um pilar de tédio. O foi, e isso não anula o fato conclusivo e sobre o qual discorro com meus amigos e leitores mais frequentes deste blog. Existe demanda de talento no jovem professor. Não só em termos de metodologia de ensino (já que é visível a contribuição que vem dando ao núcleo de música da Universidade Federal de Sergipe). No caso de hoje a noite, a escolha do repertório. Inteligente, poético e tão brasileiro como a identidade que devíamos buscar como fazedores (sim, fazedores) de sons e ritmos musicalmente nossos. Não é a primeira vez que me sinto tentado a desejar que seja ele a reger.
Se o fosse por exemplo no concerto do Villa Lobos, certamente o trenzinho do caipira não teria descarrilhado e perdido a força na volta para a estação. Se o fosse antes no núcleo de música, quantos assim como eu, não se sentiriam tentados a ser um aluno do curso? Há seriedade em seu trabalho, há responsabilidade de entender os processos individuais e coletivos de maneira tranquila como quando reúne tipos de vozes diversificadamente despreparadas para um desafio do tamanho de uma quadrilha do Drummond de Andrade. Mas há também que retirar as vendas que o impede de antever o precipício diário de ser associado àquilo que não é por ideologia, ou é, ou é por estar, mas que não se deseja ser. De sorte que há todo o futuro pela frente, e o tempo para depurá-lo como vinho de boa safra que esperamos as vezes doze anos para bebê-lo e sentir que de fato a aquisição fora boa.

3 comentários:

  1. Coisas agradáveis surgiram durante a noite, não só pela qualidade, mas pela esperança de encontrar bons artistas a frente. A apresentação de Hildriele foi um dos pontos que mais me chamou a atenção, talvez por nunca antes ter ouvido-a cantar. Uma voz sutil, de timbre gostoso foi o que escutei ali. Outro ponto que acho que merece atenção foi o quinteto formado por professores e alunos, já representado aqui no post pela figura de João Liberato. A performance do grupo foi coroada pelo talento individual de cada um ali: cordas, percussão e sopro.

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  2. De fato. Não a citei justamente por não conhecer seu nome. É claro que para além dos três pontos que mencionei existiu boas coisas, e quando não citei os violões por exemplo, não o foi por não serem bons. Estavam bem executados, mas ainda assim acho que não ousaram nas escolhas de repertório. Quando não citei a magnifica condução do pandeiro do professor da barba grande foi por não saber como fazê-lo, ainda que eu tenha achado incrível a maciez, a intimidade com o pandeiro. Aliás, ponto esse que mereceria um post no Violino de Gravata: afinal, nem todo mundo sabe tocar de verdade um pandeiro, e aquele cara simplesmente esbagaçou. De resto...

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  3. Mesmo assim você sabia que eu a conhecia, você poderia ter me perguntado. Não é desculpa!!!

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