quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Há quatro momentos para o enterro da poesia

   
O concerto da Orquestra sinfônica de Sergipe (ORSSE) do dia 05 de julho se pretendia em sua primeira parte ser uma homenagem ao escritor e jurista sergipano Tobias Barreto de Meneses e não conseguiu transportar em sua música mais que desconforto e agonia. Encomendada pela ORSSE ao compositor e fagotista Cláudio de Freitas, a obra estava dividida em quatro momentos, cada um baseado num poema do literato sergipano lançadas em 1893 no livro chamado Dias e noites.

E a maior inconformidade foi não conseguir reconhecer nenhum traço sincero das características da escrita de Barreto nas músicas. A escolha dos poemas foi incrível: “Cena sergipana”, “Penso em ti”, “Gênio da humanidade” e “Que mimo”. A voz e o esforço rascante do baixo paulista Carlos Eduardo Marcos foi sublime e uma dádiva a parte, muito embora a poesia melódica das quatro canções sobre os poemas diz pouco sobre a escola literária a qual Tobias fazia parte. Ou sobre a verdadeira identidade do que se pretendia como poema. E não que devamos esperar verossimilhança. Sei bem a separação que deve existir entre os dois tipos de arte em foco, a literatura e a música. Mas entendo como leigo na observação que uma vez que se pretende criar uma arte com referências vindas de outra obra já existente, é necessário e de bom tom o senso mínimo de que é preciso ir além da estruturação harmônica musical para conseguir compreender a alma. E de fato, os poemas não conseguiram solidificar-se em música e tão pouco a melodia sobre os poemas de Tobias Barreto possuíam algo de alma.

As quatro canções acabaram sendo mais do mesmo no palco. Ao escutá-las não se pode compreender o lirismo romântico com que escreveu Barreto. Não se pode perceber a saudade e a solidão como partes distintas, já que as melodias pesadas e fortes eram figurativamente iguais de um movimento para o outro. De modo incongruente a parecer que a obra independente de sua qualidade, já que é um bom texto musical, não passa de uma encomenda pretensiosa referente à obra de alguém que se quer o compositor conseguiu entender minimamente. Diferente de quando se houve uma boa rapsódia sobre o tema sergipano do “meu papagaio” composta pelo pianista Daniel Freire. E não só por ter sido um filho da terra a compô-la, mas sobre tudo e fundamentalmente porque nela o pianista conseguiu sem engodos nos revestir de sergipanidade. Ao escutá-la é clara a nossa identificação.
Assim por dizer a cara dos músicos enfadados no quarto movimento que contou com um solo anêmico escrito para as violas, (e que não faz jus à condição técnica do bom naipe de violas na ORSSE), e a obviedade enfadonha na qual a platéia mergulhou, a peça é de um tom pós-moderno atormentado ao próprio tormento de perceber que podia passar sem ter existido. E é claro que não repudio a idéia da encomenda musical, repudio com esse texto o desperdício de dinheiro público investido sem nenhum tipo de supervisão artística nesse tipo de empreendimento.

Louvores sejam dados que nem todas as coisas foram perdidas. É justo o mérito que teve o naipe de trompas, apanhadamente bem afinados e junto a percussão dando vazão ao preenchimento da sonoridade no teatro Tobias Barreto. Também as cordas, que sem esforço algum conseguiram afinar-se em meio à inexatidões de melodias que lhes podiam ser oferecidas como luz em meio a tanto peso, tanto desespero harmônico. Resguardaram toda a ferocidade do naipe para a brilhante execução do concerto para piano e orquestra nº 2 do Alemão Johannes Brahms. Intercalados e mesmo com o peso das quatro canções anteriores, ainda assim conseguiram brilhar de igual modo com o pianista Ricardo Castro. Existia naquele conjunto muito de elaboração, de didática e compreensão. Cada nota nua no piano, cada ataque feroz do conjunto conseguia preencher o Teatro e com isso refletir que se havia um problema aquela noite, esse não era por parte dos músicos e sim da escolha desconexa do repertório. Já no sentido diretivo, o único aplauso vai para a apresentação da obra no programa impresso do concerto. É a grande diferença entre alguém que pesquisou com responsabilidade os traços e as singularidades da obra do poeta ao lembrá-lo como expoente da terceira geração romântica do Brasil, o condoreirismo, de alguém que escreve por habilidade uma obra orquestral e a mascara como referencia de algo que sequer compreendeu.


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