sábado, 6 de outubro de 2012

Escutei borboletas e elas eram notas de uma flauta

Queria que estivesses aqui violino de salto, queria que pudesses ter sentido como nós àquela noite em que nada mais além dos sons importava. Imagine então um imenso campo verdejante, as copas largas das árvores fazendo sombra e soprando mais forte o vento. O silêncio vinha se quebrando de longe como passos, pude ver um garoto rumando em marcha com sua flauta, ora corria doce, ora se precipitava sobre a beirada do rio. O som que saia de sua flauta era anunciação e ele parecia não se importar com o movimento do outro lado, a cada nota que entoava hipnotizava  Convidava. Não entendi logo de inicio, mas o canto do Doppler era prelúdio para que esvoaçassem em comboio as borboletas. E eram tão femininas, eram tão coloridas e despreocupadas suas asas. O vento que elas produziam conseguiam soprar meu rosto. Percebi quando em determinado momento a marcha tomou rumo distinto e agora eram as borboletas que convidavam o garoto flautista a atravessar a ponte. Ele entendeu pronto e lançou-se, foi se esgueirando por entre as bordas e por vezes parecia querer retroceder, porque na margem estaria mais seguro, e depois de despir-se do medo, depois do encanto das borboletas e a fala mansa de suas asas entoando notas vigorosas e pianamente audíveis, percebeu que era preciso atravessar para descobrir o horizonte do outro lado do rio.

E então toda aquela minha queixa sobre a ordem das casas reais no programa da série Laranjeiras V se dissipou. Foi uma noite de paz, foi uma noite em que ironicamente não desgostei para além de sua dança sem ritmo o Maestro Guilher Mannis. E se algo importar para fazer sentido, espero que a vibração da plateia, as palmas infindáveis ao fim da Gonzaguiana pela volta da orquestra ao palco, nos ensine qualquer sorte de possibilidades para além da desconstrução inocente que sem perceber fez o Condutor da (ORSSE). Então não bastava entender que ao público ali sentado, com palmas em riste, não lhes importava saber se era erudito ou popular? Ou de quando é preciso entender que a linha que separa os significados é tão tangente, é tão rasa que nos mergulha em teorias, em percepções que nadam dizem sobre a qualidade da música executada. Não acredito,ou acredito mais que tudo que o Concerto em questão foi o mais musical, o mais denso, o mais transparentemente apreciado. E nisso não estou colocando minha excitação pessoal, porque não teria palavras para descrever quão bom foi Escutar o ponteio da (ORSSE), quanta qualidade e doçura encontrei na mudança de dinâmica, no som milimetricamente agradável e não estourado quando o Ponteio se fazia forte. A condução que o levou para um movimento lento e expressivo, para uma reflexão sintética de que é preciso resgatarmos de uma vez nossa música, tragá-la para fora do limbo ao qual gerações de brasileiros as impuseram. E então espero o Choros nº 10 do Villa Lobos como quem anseia encontrar o paraíso.

Embora eu discorde veemente de quando afirmou o Maestro Guilherme Manis sobre a Gonzaguiana do Cyro Pereira ser em tese melódica uma distorção da realidade pragmática buscada nas melodias do Luiz Gonzaga, como bem faz a Rede Globo de produções toda vez que retrata a nós nordestinos de maneira pouco real, isso não corrompeu o fato de que ontem ele esteve tão agradável e acessível. Que os aplausos arrancados dela, a colocava como superior ao Arranjo também sobre temas do Gonzaga do mestre Duda. A gonzaguiana que já foi tão bem executada no Teatro Tobias Barreto pela Orquestra sinfônica de Itabaiana sob a Regência do Maestro Angelo Rafael, conseguiu superar-se em termos de compreensão. Existia um lirismo que ia além da prosódia de nosso sotaque e quando voltou ao palco para um bis, foi belo como escutá-la pela primeira vez. E ainda que muitos partidários coloquem-se a ranger os dentes e se contorcer tentando entender: Sim, o violino de gravata deve parabenizar o maestro Guilherme Mannis por ter saído ao menos por uma noite da escuridão parcial de seus concertos enfadonhos e sem sentido de serem postos. Pude apreciá-lo e acreditar que mais noites como essas deveriam ser oportunizadas. Foi uma condução envolvente, limpa, e tão apreciável que ousaria ficar ali sentado por mais umas duas horas.

Abro ainda um parênteses enorme para congratular toda a orquestra, para que entendam que as críticas aqui colocadas não é um ataque pessoal e desonesto, muito menos se pretende em descaracterizar a importância do esforço que sei que imprimem em suas vidas como músicos. Não existe razão em creditar lendas a meu respeito: não somos amigos e nem menos tenho pretensões em sê-lo, o que não exclui minha admiração e o respeito pelo trabalho de cada um. As aspirações, as dores, as contemplações. Mas que é necessário que se impulsione os voos para além.Que digamos somente aquilo que nos toca como ouvintes, e assim deve ser a recepção da música.Com a alma. Estendo as felicitações em especial aos metais que se contrário da Suite Aquática do handel no último concerto, ontem me arrebatou com o vigor e a segurança do som que explodiu por toda a sala e nos deu um saboroso Batuque. Fato esse que me deixou exultante já que o esperei ouvir com reservas e me surpreendeu da maneira mais vital possível.

7 comentários:

  1. Infelizmente não pude comparecer, mas pelo pude perceber,perdi uma bela apresentação!
    que o patrimônio musical nacional seja cada vez mais valorizado!

    Andeson

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  2. Eu já tentei aprender violino, mas sinceramente não evolui, meu sonho era tocar em uma orquestra e viver disso, infelizmente ou felizmente a vida toma outros rumos. Admiro imensamente a música orquestral, adorei o blog.
    http://pitadadecinema.blogspot.com.br/

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  3. Acredito que a música é uma forma de expressar o que nossa alma fala. O sons das borboletas te inspiraram a comparar com o belos sons da flauta, que misturam com outros instrumentos e se tornam uma bela orquestra. Magnifico!

    http://marretada.zip.net/

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  4. Isso que é arte!!!!! Muito bom!


    http://www.ziqzira.com.br/

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  5. Mais uma vez Poesia e Beleza através da Música. Quanto ao Choros 10 do Villa... O nipe masculino desfalcado... Vamos aguardar! Quem sabe teremos uma boa surpresa. A boa Música sempre valerá apena.

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  6. Pena que não pude ouvir o concerto, embora por uma boa causa. Mas é bom chegar aqui e poder ler sobre flores e borboletas.

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  7. Imagino que os concertos na cidade luz e o famigerado Flamenco na pequeña barceloneta devam ter sido infinitos. Por aqui as flores atraem borboletas muito raramente,e por isso me alegro em dizer que foi doce, foi puro, foi singelo como tinha que ser o Concerto para duas flautas do Doppler.

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