sábado, 13 de outubro de 2012

Há uma pétala


Desejei não falar sobre a bonita apresnetação do Fábio Presgrave, e não por não ter sido notadamente efusivo. Não! Gostei sobremaneira, e gostava pela segunda vez já que essa semana ainda falei sobre o Duo Presgrave-Cesetti. Assim como já havia falado anteriormente neste blog que me agradava o glisando da violoncelista Andressa Souto (Chefe de nipe dos Violoncelos da ORSSE), e me aterei a eles nesse parrágrafo já que na noite da ultima quinta-feira 11.10.2012 eles estavam inacreditáveis. Surtia exatamente o efeito de ir quebrando uma por uma minhas costelas como se fossem um vento gosotoso de inverno me convidado a olhar o tempo da janela. E me dispus a encarar atentamente aquele seu solo como quem buscando alguma verossimilhança. E positivamente descobri a origem de tamanho apuro ao escutar pela segunda vez e com a mesma precisão do dia anterior, o violoncelista Fábio Presgrave. Há um que de médico e mostro naquele concerto. E louvo a ordem das coisas literárias que dá espaço para que  o monstro  se ponho em puro sentimento e se mostre muito mais mocinho que vilão. Não há amor sem que uma hora o ódio venha e por isso, imagino quão avassaldor deve ter sido dividir o palco com seu professor, ainda mais na condição de que um não ofuscou o brilho do outro. Ao contrário, foi resposta à qualidade técnica exibida naquele programa.

Foi arrebatadora a noite. Me algro ouvir tão de perto algo meu e me alegra dizer que foi uma execução formidável a dos Choros Nº 10 do Heitor Villa Lobos (Rasga o coração). Se há algo que melhor represente a diversidade cultural do nosso Brasil é a singularidade melódica das composições do villa. Foi sem sombra de dúvidas um concerto didático, uma ponte para desvendar um pouco mais da nosa música que por tanto tempo foi esquecida ou tão pouco divulgada. As explanações do Maestro Marcelo de Jesus sobre o processo de criação do Villa, sobre a recepção de nossa música nos palcos franceses e de como a singularidade da inovação criativa dele despertou sentimentos diversos nas plateias, foi sem sombra de dúvidas um afago e impulso para irmos além na busca por descobrir nossos compositores. Sua condução proporcionou uma clarividência sobre a interpretação do Choros. Estavam muito claros todos os elementos da natureza e também a aspereza daqueles que ousavam não entender como corporativo a evidência das multiplas etnias brasileiras. Estavam todos ali, negros, brancos, cafusos e migrantes. Todos bem representados pelo canto visceral do nosso Índio e isso só foi possível pelo empenho da orquestra que brilhantemente lapidou e compreendeu a alma do que estava posto em notas.

"Nunca na minha vida procurei a cultura, a erudição, o saber e mesmo a sabedoria nos livros, nas doutrinas, nas teorias, nas formas ortodoxas. Nunca, porque o meu livro era o Brasil. Não o mapa do Brasil na minha frente, mas a terra do Brasil, onde eu piso, onde eu sinto, onde eu ando, onde eu percorro. Cada homem que eu encontro no Brasil representa uma forma estética na concepção musical." {Heitor Villa-Lobos, João Pessoa. 1951)"

E então não consigo não trazer à memória a extensão segura das trompas naquele inicio já docemente tenso e tão diferente de qualquer começo que conheçamos, o ápice taciturno lá pelo segundo minuto da obra, crescendo sorrateiro até explodir. A flauta excitando doce o amadeirado e rouco clarinete. Os passáros, a fauna que emanavam tão piano e representativos dos violinos. O som aveludado do oboé e depois a junção entre o piano e percusão como prelúdio para que irrompessem o coro de índigenas. Era verdadeiramente como se estivessemos cercados por um ritual ancestral. Um conclame forte, ora doce e melódico com os sopranos e ora violento com os tons mais graves que pareciam invocar aos céus algo divino, algo pagão, algo que fosse ter mais sentido no espirito que na carne, embora visivelmente desfalcado o coro, ainda assim conseguia nos tomar de assalto e o felicito por bravamente ter se destacado em meio à força dos instrumentos ali naquela sala. Eram poucos, mas eram milhares, porque evocavam a força da natura brasileira e se apresentavam como leões cujo o dourado da sua juba sobrepujava qualquer beleza tomando o foco para si.



5 comentários:

  1. É como um terror vibrante, latente, entrando pela gente e nos arrastando, envolvendo.

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  2. Victor, Do que você fala em específico? Do choros n 10 do Villa. Se o for, estou de acordo, por isso falo da invocação, mas se chegares ao finzinho dela perceberá doçura, contemplação. Não?

    Ps: Por onde andou que não aparecia mais por aqui? Bem-vindo de volta!

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  3. Toda ela é assombrante. Malignamente deliciosa. Andei nas bioquímicas da vida

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  4. O que mais me encanta é justamente que pra gostar de um peça, não necessáriamente vamos encontrar beleza nos mesmo elementos. Espero escutá-la outra vez e encontrar algum sentido do que me apontaste.

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  5. Realmente a noite foi muito bonita. A reflexão que evoca o som do violoncelo, a simpatia do maestro, o sentimento de brasilidade despertado pelo grandioso Villa e sua grandiosa orquestração nesta obra. O desafio para os poucos índios foi grande, mas foi válido. Profusão de sentimentos.

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